Dona morte chega sem aviso
Falar sobre a morte não é difícil, difícil é encará-la, ficar frente a frente, ter um encontro inesperado com ela num dia em que tudo corre normal e andamos pela rua, desavisados de sua presença.
Descrever o sentimento de dor diante da perda definitiva é até possível, desde que este sentimento não esteja latejando em nosso peito e ruminando nossa alma, transformando o coração em estilhaços.
Já senti muitas dores, dores que me consumiram, que me fizeram ínfima e dilacerada, mas dor igual a da perda repentina e inesperada, ah, isso nunca.
Hoje eu vi a face da morte estampada em outros rostos.
Dona morte não se apieda quando decide chegar. Chega arrastando tudo como um vendaval, rasgando peitos e derrubando muralhas.
Para os que ficam é que está o grande desafio: sobreviver depois.
Para os que se vão, isso ninguém sabe e se sabe não tem como relatar.
Vi a dor gritando no desespero de uma mãe.
Vi a dor resignada na face sem lágrimas de um pai.
Vi também a dor e não menos intensa no choro contido do irmão, companheiro e amigo que se sentia perdido diante da impossibilidade de fazer algo que pudesse reverter tudo.
E vi a dor de um rosto já machucado pelas lágrimas de uma mulher que de um instante para outro perde o amor, a cumplicidade, a presença constante.
Diante de tudo isso, tentei conceber o tamanho dessas dores e percebi que era impossível e que para isso eu teria que vivenciar também o mesmo tipo de dor.
Imaginei como a vida é frágil e o quanto o amanhã não nos pertence. Só temos o momento de agora, os instantes do hoje e nada mais.
Pedi a meu Poder Superior que me desse mil vidas e me tirasse todas, mas que nunca eu precisasse sentir na pele a dor da perda de quem mais amo.
Sei que Ele me ouviu e espero que tenha dado o recado para dona morte e que ela não faça trapaça comigo.